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“A décima primeira hora: um quinteto de histórias” (a ser publicado na terça-feira pela Random Home) é a nova coleção elegíaca de histórias do aclamado romancista Salman Rushie – sua primeira ficção desde um ataque de 2022 que quase o matou – na qual ele escreve sobre encontros íntimos com a morte, fantasmas, magia e a passagem imutável do tempo.
Leia um trecho abaixo e não perca a conversa de Martha Teichner com Salman Rushdie no “CBS Sunday Morning” em 2 de novembro!
“A Décima Primeira Hora”, de Salman Rushdie
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De “No Sul”
O dia em que Junior caiu começou como qualquer outro dia: a explosão de calor ondulando no ar, o sol estrondoso, as ondas do trânsito, os cânticos de oração ao longe, a música barata do cinema subindo do andar de baixo, os impulsos pélvicos de um “número de merchandise” dançando na TV de um vizinho; o choro de uma criança, a repreensão de uma mãe, o riso inexplicável, as expectorações escarlates, as bicicletas, os cabelos recém-trançados das colegiais, o cheiro do café forte, uma asa verde brilhando numa árvore. Sênior e Júnior, dois homens muito velhos, abriram os olhos em seus quartos, no quarto andar de um prédio verde-mar, numa alameda arborizada, fora da vista de Elliot’s Seaside, onde, naquela noite, os jovens se reuniam, como sempre faziam, para realizar os ritos da juventude, não muito longe da aldeia dos pescadores, que não tinham tempo para tamanha frivolidade. Os pobres eram puritanos noite e dia. Quanto aos mais velhos, eles tinham seus próprios ritos e não precisavam esperar o anoitecer. Com o sol a atingi-los através das persianas, os dois velhos lutaram para se levantar e cambalearam para as varandas adjacentes, emergindo no mesmo momento, como personagens de um conto antigo, presos em coincidências fatídicas, incapazes de escapar às consequências do acaso.
Quase imediatamente eles começaram a falar. Suas palavras não eram novas. Eram discursos rituais, reverências ao novo dia, oferecidos em formato de chamada e resposta, como os diálogos rítmicos ou “duelos” dos virtuosos da música carnática durante o pageant anual de dezembro.
“Agradeça por sermos homens do sul”, disse Júnior, espreguiçando-se e bocejando. “Somos sulistas, no sul da nossa cidade, no sul do nosso país, no sul do nosso continente. Deus seja louvado. Somos caras calorosos, lentos e sensuais, não como os peixes frios do norte.”
Sênior, coçando primeiro a barriga e depois a nuca, contradisse-o imediatamente. “Em primeiro lugar”, disse ele, “o sul é uma ficção, existindo apenas porque os homens concordaram em chamá-lo assim.
Eles eram assim: lutavam, atacando-se como lutadores antigos cujos pés esquerdos estavam amarrados pelos tornozelos. A corda que os prendia com tanta força period o nome deles. Por um curioso acaso – que eles passaram a considerar como “destino” ou, como costumavam chamá-lo, uma “maldição” – eles compartilhavam um nome, um nome longo como tantos nomes do sul, um nome que nenhum deles se importava em pronunciar. Ao banir o nome, ao reduzi-lo à sua letra inicial, V., tornaram a corda invisível, o que não significava que ela não existisse. Eles ecoavam um ao outro de outras maneiras – suas vozes eram altas, eles eram igualmente magros e de estatura mediana, ambos eram míopes e, depois de vidas inteiras se orgulhando da qualidade de seus dentes, ambos haviam se rendido à humilhante inevitabilidade das dentaduras – mas period o nome não utilizado, aquele simétrico V., o nome que não poderia ser falado, que os uniu por décadas.
Os dois velhos, no entanto, não faziam aniversário no mesmo dia. Um period dezessete dias mais velho que o outro. Deve ter sido assim que “Sênior” e “Júnior” começaram, embora os apelidos já estivessem em uso há tanto tempo que ninguém conseguia se lembrar quem os inventou originalmente. Eles se tornaram V. Sênior e Júnior, V. Júnior e V. Sênior para sempre, brigando até a morte. Eles tinham oitenta e um anos. Se a velhice fosse considerada uma noite, terminando no esquecimento à meia-noite, eles já estavam na décima primeira hora.
“Você está horrível”, Junior disse a Senior, como fazia todas as manhãs. “Você parece um homem que está apenas esperando para morrer.”
Sênior – balançando a cabeça gravemente e também falando de acordo com sua tradição explicit – respondeu: “Isso é melhor do que parecer, como você, um homem que ainda está esperando para viver.”
     
Extraído de “The Eleventh Hour”, de Salman Rushdie. Copyright © 2025 de Salman Rushdie. Todos os direitos reservados. Nenhuma parte deste trecho pode ser reproduzida ou reimpressa sem permissão por escrito do editor.
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