Ainda outro contou que o bispo native não disse nada durante meses após a denúncia de um caso, depois enviou representantes para persuadir a vítima de que isso não aconteceu, “dizendo que eu estava a criar problemas”.
Outros citaram casos contínuos de abuso nas suas dioceses.
Uma pessoa estava “ciente de outros padres envolvidos em relações sexuais com jovens raparigas e freiras”, enquanto outra disse que “os casos de abortos forçados entre religiosas são ignorados pelas autoridades da Igreja”.
A co-diretora do grupo de direitos das vítimas BishopAccountability.org, Anne Barrett Doyle, classificou o depoimento da vítima como “especialmente preocupante”, acrescentando que a Igreja “ainda não conseguiu priorizar” a segurança das crianças.
“A comissão deve ser elogiada por descrever quão pouco progresso a Igreja fez para acabar com os abusos e o encobrimento”, disse ela em comunicado.
‘Fazendo reparações’
O falecido Papa Francisco criou a comissão perto do início do seu pontificado, em 2014, quando a Igreja Católica estava abalada por escândalos de abuso sexual em todo o mundo.
Depois de anos de críticas de que period ineficaz, Francisco integrou o painel, que inclui especialistas religiosos e leigos na área da salvaguarda, no Governo da Santa Sé em 2022, e solicitou um relatório anual de progresso.
O relatório de quinta-feira enfatizou a importância de ouvir os sobreviventes, oferecer apoio psicológico e financeiro e, principalmente, de reconhecer e assumir a responsabilidade pública pelo que aconteceu.
“A Igreja tem a obrigação ethical e espiritual de curar as feridas profundas infligidas pela violência sexual perpetrada, possibilitada, maltratada ou encoberta por qualquer pessoa que detenha uma posição de autoridade na Igreja”, lê-se no relatório de 103 páginas, que foi partilhado com o Papa Leão XIV.
Acrescentou: “Os danos causados à relação das vítimas/sobreviventes com a Igreja não podem ser curados sem que a Igreja assuma a responsabilidade e faça reparações”.
O presidente da Comissão, Thibault Verny, disse à AFP que, confrontado com “deficiências sistémicas persistentes”, o relatório anual pretendia ser uma “ferramenta” para utilização em toda a Igreja Católica world, que conta com cerca de 1,4 mil milhões de seguidores.
Examinou detalhadamente quase 20 países e destacou a resistência cultural, os tabus e o silêncio sobre os abusos, desde Malta até à Etiópia, Moçambique e Guiné.
Na Itália, que tem fortes laços com o Vaticano, o relatório observou uma “resistência cultural substancial” na abordagem dos abusos, ao mesmo tempo que censurava os seus bispos por uma resistência à colaboração, já que apenas 81 dioceses responderam ao inquérito da comissão, num complete de 226.
“É um verdadeiro grito que as vítimas levantam: não se sentem ouvidas, não apoiadas, às vezes não há relação de empatia, nem mesmo de respeito”, disse Dom Luis Manuel Ali Herrera, secretário da comissão, durante uma conferência de imprensa.
Francisco, que foi Papa desde 2013 até à sua morte em Abril, tomou inúmeras medidas para combater os abusos, desde a abertura de documentos internos à punição de clérigos de alto escalão, ao mesmo tempo que tornou obrigatória a denúncia de suspeitas de agressão sexual às autoridades da Igreja.
Mas o clero ainda não é obrigado a denunciar abusos às autoridades civis, a menos que as leis do país o exijam, enquanto quaisquer revelações feitas em confissão permanecem privadas.
Verny disse que o Papa Leão “abordou esta questão muito cedo” após a sua eleição em maio.
No entanto, numa entrevista publicada em setembro, o Papa norte-americano irritou as associações de vítimas ao insistir na necessidade de proteger os padres que foram falsamente acusados de abusos, bem como de ouvir os sobreviventes.
“Pode haver falsas alegações. Deve-se dizer que são uma proporção muito, muito pequena”, disse Verny.
-Agência França-Presse